quarta-feira, 21 de outubro de 2020

MEU AMANHÃ



Não sei descrever como você chegou. Ninguém tinha tanta expectativa por aqui, não é mesmo? Mas como num encontro de almas a gente grudou. Tipo cola, tipo criança que precisa de abrigo. Não sei explicar até agora — quatro meses depois e contando. Não sei nem mensurar a grandiosidade da nossa ligação. São flashes infinitos, lembranças hiperbolizantes. A gente encosta e a ferida cura... 
Não precisei pedir permissão pra estender minha alma na tua grama verde e macia. Não tive vergonha de deitar no teu peito e encarar a grandiosidade do céu. Quanta luz! Coisa bem de outro mundo, que nem dentro de um templo eu conseguiria sentir. As nuvens passando no jogo de cores do fim da tarde, no alto da serra, quase me abraçaram. Em delírio, sentindo que os bons ventos chegavam, sussurrei: "Obrigado, universo". E ainda reluzente, sussurro até hoje: "MUITO OBRIGADO, UNIVERSO!" E todo dia em que a tristeza volta e repousa ao meu lado, eu me repito: "Agradece, por favor, agradece, porque você passou uma vida orando ou pedindo por tudo isso que tem hoje."
Não sei de onde a gente tirou tanta certeza, mas no meio de um ano turbulento, a empatia veio correndo, cavalgando no topo de todo o caos, pegou minha mão, juntou à sua e falou pra gente bem baixinho: "Se cuidem, arrumem um cachorrinho, dividam os dias, porque vocês merecem."
Confesso que às vezes eu duvido, me saboto, me pergunto o que fiz pra merecer uma dádiva tão grande... mas a realidade é que a gente sabe... a gente sabe com detalhe, e até um pinguinho de tristeza, que a gente merece pra valer. A gente sabe cada espinho que pisou (mesmo quando não entendia direito a dor do mundo) e o incômodo de curar cada ferida. A gente se olha, se abraça, dá um beijo nas cicatrizes e eu sigo prometendo pro universo: "Pode deixar, vou fazer valer umas tantas décadas igualzinho fui feliz esses quatro meses..."

Oswaldo Juliano Sandi

sábado, 16 de maio de 2020

TEU TEXTO

"Saí da sua vida de cabeça erguida
Coisa que você não fez
Eu já chorei demais agora vem a sua vez
Eu acho que vai ser melhor..."
(Matogrosso e Mathias - Na hora do Adeus)






     Eu tinha prometido escrever uma coisa bem bonita pra você. Me lembro que já tinha até começado e guardei um rascunho no meu bloco de notas onde fica tudo: as listas do supermercado, os compromissos importantes, as ideias para os livros, os slides de apresentações, reflexões e afins. Trouxe você pra dentro dos meus arquivos e da minha vida, com acesso total. Acontece que ontem eu vasculhei tudo. Revirei todas as notas e não encontrei aquele parágrafo que fiz pra ti. Na frente do computador, fechei os olhos e me esforcei pra lembrar tudo que tinha escrito. Não me veio nada. A única coisa concreta foi aquele texto reticente de felicidade que eu vomitei no Ano Novo.
     Fora isso não tem mais nada agora. Só mágoa. Uma pontada silenciosa de tristeza durante todo o tempo em que estou acordado. Não me conformei com a insignificância gratuita que você me deu. Inventou importância pra fingir compromisso, mas a máscara foi frágil. Peguei você no meio das suas mentiras ultrajantes e você só disse: depois a gente conversa. Não conversou. O olhar frio, com medo de se expor. Não teve medo de mais nada além disso, nem de jogar o que eu sentia ali mesmo, no chão daquela calçada íngreme, e ver tudo escorrer para o ralo mais próximo ou se estilhaçar com a queda. Não teve consideração. Empatia. 
     E agora eu enxergo a verdade: tudo isso que você não teve foi culpa minha, fui compensando o que faltava. Compensei as ausências noturnas com disponibilidade fiel, compensei falta de carinho com atenção em excesso, cobri os olhos pra não ver os sinais. E agora lamento. Sozinho. Porque foi sozinho que fui o tempo todo leal com o nosso compromisso. Cresci gigante pra te proteger do sol e você escolheu acabar pequeno demais.




Oswaldo Juliano Sandi

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

A MAGIA DO ANO NOVO


      Os anos iam e vinham e eu sempre tive essa coisa com a virada. Nem sei direito como explicar, só sei que eu não me importava com as outras festividades de final de ano da mesma forma que o Ano Novo me movia. Mas foi bastante complicado. Os anos iam e vinham e lá estava eu angustiado, preocupado com o lugar, com as companhias, com a melhor vista, com os fogos silenciosos, com o espetáculo mundial no qual a festa se transformava. Com o tempo tomei um pouco de desgosto, passei um Ano Novo sozinho em casa. Nunca me preocupei com essa questão de datas, aniversários, etc. Mas ano novo... ah, eu era capaz de chorar quando tudo dava errado!
      Mas quem diria que no melhor deles eu nem veria os fogos. Estava feliz demais, alto obviamente, mas feliz. Não tinha nenhuma companhia que eu quisesse além da sua. Não tinha vista, nem fogos mirabolantes, nada de espetacular... somente o que estava acontecendo dentro de mim.

      Não me lembro dos últimos drinks que tomamos e que você insistia em derrubar um pouco pra dar sorte, nem de como saímos da mesa, nem da nossa pausa para cuidar do chão da cozinha... Só ouvi os estrondos distantes, mas nem sei se consegui abrir os olhos pra vê-los. “Já é Ano Novo?" Sua pergunta me fez rir, “Acho que sim”, olhei no celular e depois adormeci. Tum-tum, tum-tum, tum-tum... O único espetáculo da noite foi adormecer ouvindo seu coração, não lembro de mais nada, mas posso apostar que eu dormi sorrindo e em paz.



Oswaldo Juliano Sandi