quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O SEGUNDO SONHO

Nem todos os sonhos são fáceis de decifrar. Nem todos são fáceis de recordar.
A madrugada chuvosa troveja lá fora. O vento balança as cortinas nas janelas abertas. A chuva só vem forte quando o calor está ficando insuportável.
No meu sonho, o parque está aberto. Existem pessoas trabalhando, mas as nuvens carregadas no céu entristecem os brinquedos. Sinto vontade de subir bem alto na roda gigante, mas o ânimo do maquinista me desanima. Então me pergunto por que estou ali sozinho...
Vejo poucas pessoas passando, vejo poucas crianças brincando. Sigo alguns por uma passarela até um grande prédio de dois andares em forma de circo. Ele está praticamente lotado. Há mesas espalhadas por todo canto. Caminho em seu interior e observo as pessoas com um humor um pouco melhor, escondidas da instabilidade das nuvens.
Subo as escadas em semi-círculo, encontro corredores também circulares, de janelas pequenas, que em dias de sol poderiam me trazer alguma luz. Vejo as pessoas fazendo fotografias e conversando sobre a tempestade que se forma. Como uma célula na corrente sanguínea sinto-me passar por estes corredores sem me prender a ninguém, sinto-me sem qualquer objetivo, sequer carrego algum oxigênio. A vida se esvai...
Quando volto ao andar térreo, em busca de uma mesa vazia, vejo você entrando. Uma imagem viva, camiseta amarela, e uma aura que se predispôs a competir com o sol quando ele resolveu se esconder logo de manhã. Sim, você não me ignora. Você tem esse dom desde o início: de se fazer notar, de causar qualquer sensação, de imprimir alguma folha, nem que seja de teste, como a maçã vermelha e brilhante que testa as cores com tinta úmida e cheirosa.
Você vem, para na minha frente e me convida pra tomar alguma coisa. Claro que vou, afinal era por ali mesmo que eu estava indo. Era pra fingir que era normal como todos os outros com alguma sorte talvez estivessem também fingindo. Ah, claro, eu e o meu gosto por tragédias...
Nos sentamos e conversamos. É claro que o assunto logo volta ao passado, em época de luz e sol, muito antes do tempo obscuro que veio logo depois. Essa foi a mesma luz que me cegou, a sua luz. Um brilho resplandecente que não fui capaz de suportar por muito tempo. Da mesma forma, a minha escuridão também lhe incomoda. É como se na sua concepção inconsciente não pudesse haver no mundo escuridão capaz de competir com a sua luz. De repente é isso... Discutimos bastante por conta do orgulho... de nós dois... Você sai, diz que vai buscar mais alguma coisa. Eu corro pra algum lugar isolado pra respirar e decidir em dez minutos o que deveria ter sido decidido há dez segundos atrás, antes de você se levantar da mesa. Então, de volta à mesa, vejo o amarelo se misturar às cores da praça de alimentação e se neutralizar. Tudo volta a ser como estava antes de sua aparição. 
Espero como posso, mas sei que não voltará. Está seguro do que diz e do que já sentiu. Se sentiu. Não adianta procurar entre as pessoas, entre as cores, entre auras e mais auras. Corro por escadas e pessoas borradas pelo meu olhar fixo em algo que agora só existe na minha mente. Você não mais existe. Nem neste pesadelo estranho.
Acordo com o vento forte e o barulho da chuva que cai como chumbo, como fazia tempo não caía. A brisa refresca meu pensamento. Paro na janela, olhando para o nada, escuro  e embaçado de azul.
A vida segue turbulenta apesar dos pesadelos. Os sonhos seguem confusos, mais uma vez ofuscados pelo imprevisto. Daqui a pouco clareia, preciso levantar cedo e buscar alguma outra razão para existir.
É só quando me deito para tentar dormir de novo que percebo: o rosto não era seu, nem a roupa, nem o cabelo, nem a aura brilhante... Não te conhecia no sonho. Não era a mesma pessoa que me vem à mente aqui no barulho da chuva. Corri à procura de quem não conhecia de verdade. Sim, era apenas um sonho...
Depois de uma semana tentando decifrar a visão do meu inconsciente, chego à óbvia constatação:

Foi apenas um sonho...

E continuará sendo, até que eu me encarregue de viver e deixe de correr atrás do que não cheguei a conhecer de verdade...






Oswaldo Juliano Sandi

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

O RETORNO DE SATURNO

A minha hora chegou. O meu temido retorno de Saturno onde dou uma volta completa ao redor de mim mesmo e descubro qualquer possibilidade de ser feliz... ou não... É como se esse Saturno fosse a minha Apollo 19, assim mesmo, sem qualquer associação com outra nave, sem sobrevoar nenhum espaço habitado, porque essa é a minha missão particular e solitária. Porque a esta altura não dá pra parar e perguntar a algum outro pedestre espacial: "Hey, dá pra ver se ainda estou inteiro? Será que sobrarão pedaços nessa aterrissagem?"
Sim, cá está a minha Apollo, dando a volta da completude, no que significa entender que o aprendizado da vida acabou o seu ciclo e que não há mais milagres desconhecidos. E, assim, paradoxalmente, volto a ter um ano de vida e esqueço de toda a finitude das minhas possibilidades e, como na imagem do ouroboros, cá está o retorno.
Volta.
Volta pra onde?
Volta pra quê?
Volta.
Volta completa.
Nave em pedaços.
Definitivamente, o Retorno de Saturno é algo entre a dor e a tranquilidade, um vazio que você não entende se será bom ou ruim. Diferente de qualquer outro vazio, este não causa desespero. Este vazio dura mais que os outros, mas o sofrimento que causa não dura mais que um dia, porque você sabe que não há mais tempo de chorar e esperar que alguém lhe enxugue as lágrimas, porque isso não mais acontecerá. O tempo da ilusão e da descoberta já se foi... Agora é você sozinho com sua sabedoria...
Agora é tempo de constatação: só é sem limite quem engendra o trabalho vaidoso da maldade...







Oswaldo Juliano Sandi

sábado, 19 de setembro de 2015

JANELA ARTIFICIAL

Pela janela artificial que se abriu quando cheguei a ilusão é fácil. Mas a noite cai depressa, vem as dores e o cansaço.
Chego cansado porque não é um caminho curto quando se quer estreitar corações. Chego cansado e não preciso explicar mais nada sobre isso, porque é só ler meus devaneios para entender este cansaço.
Encosto devagar, as pernas doem. Sigo exausto. Na janela que se busca, a paisagem se aproxima. Mas na janela artificial que me ofusca os olhos, quanto mais perto, mais longe o coração.
Quando olho pra cima, o céu estrelado sem luas. É porque sobra tempo dentro da minha ansiedade que logo percebo: este céu sem lua e com pouca claridade é artificial. Alguns astros já caíram...
E tantos astros caíram aqui, como no inconfidente céu de fábula que cumpriu um dia seu papel de verdade na minha curta felicidade. Sigo só...
E tão somente me arrasto uma vez mais, no tempo e no espaço, esperando justamente o que encontro: a receita perfeita de um frio coração artificial - líquido amargo e conhecido, difícil de engolir e de aceitar...




Oswaldo Juliano Sandi

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O CORAÇÃO E O CANTO DOS PÁSSAROS

“A estação mais quente está chegando”, tenho pensado nesses dias. A estação quente e minha casa abafada, as noites difíceis de dormir, as janelas sempre abertas e os insetos incomodando minha pele acordada. Sim, a estação mais quente aqui é a menos desejada.
Moro sozinho. Coração muitas vezes solitário e adoentado, mas persisto. Não ligo pra isso na maior parte do tempo – vez ou outra um fantasma pode ser um amigo. Cumpro com minhas atividades profissionais, estendo minhas noites de sono, porque existe sempre algum conforto em não sonhar acordado. Pagador de contas que sou, faço disso um jogo até que chegue ao xeque-mate.
E tem as relações. Algumas vezes calorosas, outras nem tanto. Aquelas que tocam o coração e aquelas que tocam apenas a pele. O problema dos relacionamentos é uma diabetes emocional crônica: é como o doente que sabe quanto é doce aquele quitute, mas muitas vezes tem que negar, porque lhe faz mal. Alguns doces têm me encantado. Dentre eles poucos têm feito o bem que deveriam e tem outros que chegam a intoxicar meu coração...
Saio pra rua no final da tarde, quando o expediente de quase todo mundo termina e o meu chega à metade. Saio pra rua para pagar as contas e cumprir obrigações. Saio pra rua... por obrigação muitas vezes... Caminho entre as pessoas de cabeça erguida, pois sei quem sou, mas meus olhos estão cegos, pois não quero encarar ninguém e ter o esforço de me explicar ou de falar coisas do meu cotidiano dolorido.
Saio pra rua e dou de cara contigo. Um olhar desconfiado, de quem não sabe nada da vida, como um cão que não sabe se late ou se morde. Pode ficar tranquilo, que eu não vou chegar mais perto. Vou apenas cruzar rapidamente o espaço que você usa pra se socializar. Enquanto passo, pode ficar ladrando por um segundo, mas eu vou sair do seu espaço tão rápido quanto meu coração começa a bater acelerado; vou fugir como o jorro de adrenalina que cai na minha rede sanguínea nesse exato momento em que digo “tudo bem?” querendo parar e ficar pra saber se está mesmo tudo bem, ou se você correria um mínimo risco de não estar bem sem mim. Mas eu sei a resposta e passo. Saio correndo do seu olhar de animalzinho problemático que toda pessoa mal resolvida tem e dá vontade de pegar pra cuidar – assumir o risco de aguentar os dolorosos dentes do orgulho e da teimosia que eu também já usei para machucar o outro. Passo por você como o espectro que sou pra qualquer outra pessoa...
De volta pra casa, você permanece no mesmo lugar, com seu círculo duvidoso de amizades que, fatidicamente, vai te trazer ao mesmo lugar definido, cravado no chão e resolvido, em que estou. A diferença? É que há duas distâncias infinitas entre estes dois mundos, cada uma com seu nome, e se chamam Tempo e Maturidade. A diferença cruel é que caberá a mim tomar a decisão de atravessar a rua e esconder meus olhos marejados entre as árvores insensíveis da praça, ouvindo o som ensurdecedor dos pássaros que cantam felizes ao final da tarde...




Oswaldo Juliano Sandi

sexta-feira, 24 de abril de 2015

SOBRE A SUBSTÂNCIA VERDADEIRA

— Gosto muito de você... — Sim, a essa altura já é uma confissão.
— Eu deveria ter avisado no início que não é isso que eu busco... assim você não se apegaria...


Foi aí que o rio que corria livre dentro de mim parou... Que tipo de sociedade produz esse tipo de gente que acha que gostar é opção? Que tipo de sujeitos deixam o rio correr livre por um ou dois meses e depois anuncia: "Não era isso que eu estava querendo! Esqueci de avisar..."
Não sou o tipo que conserta pontes, ou que trabalha com reparos... Não sou o tipo que tem essa facilidade toda com este trabalho. Infelizmente mesmo, sou do tipo oito ou oitenta e estou bastante deslocado em relação a esse tipo de gente que cresce nessa sociedade doente.
— Não quero a superficialidade inesquecível. Quero a substância verdadeira!
Será que é tão difícil entender pra onde essa água está correndo? Será mesmo que essa seletividade capitalista para amar é tão cômoda a ponto de cegar-se à superficialidade solta e sem conteúdo?
Não sei, só sei do que digo sempre: estou exausto... A cada passo mais exausto... Mais cansado, voltando às reticências que lutam pra terminar as frases... e até um pouco duro demais.

E o problema é mesmo este, não dá pra tratar essa afetividade doente sem a mão firme, sem calçar as botas pesadas pra andar na camada fina de gelo, coragem essa que só será capaz de ferir aqueles que terão coragem — paradigma inútil dos que tem um coração...


Oswaldo Juliano Sandi

segunda-feira, 2 de março de 2015

UMA NOVA PRIMAVERA...



Um ano novo completamente novo só começa depois do nosso ano novo pessoal. E que ano mais novo esse! Sem maldições nada antigas, sem aquela velha história de compensação.
Só sei que a esperança se renova e quando a gente enfrenta um grande inverno pessoal, chovendo lamentações, é aí que surgem as flores... e a primavera! De maneira sutil e quase imperceptível, de maneira quase insignificante, as flores jogam uma semente aqui e ali, as flores crescem aos poucos e 'bum!', cá está uma exuberante obra da natureza e da providência. E pior que não deu tempo nem de cuidar bem do jardim! Mas mãos à obra, meu coração! A flor mais bela não aguarda o jardim perfeito e, diferente das outras que já murcharam e secaram, a flor mais bela aguarda a oportunidade para a beleza, ela está espalhando seu cheiro e seu som que é como música, não se afeta fácil e não tem aquele orgulho venenoso que prefere a morte ao invés de assumir os próprios atos.
O jardim começa a ficar belo com a chegada de uma nova primavera... O jardim floresce aos poucos, como deve ser, mas a semente já conhece a flor e, com essa visão privilegiada, sua ambição de ser maior está ampliada.
O coração tem a cor mais vermelha, o sangue que vibra e grita pelo afeto. O ar está leve e a noite não está mais tão longa, embora seja tragável com o deleite do sono mais gostoso.

Sim! Minha alma hoje vai dormir tranquila, porque a primavera veio trazendo as flores mais belas e acordando a minha essência!

Estou pronto novamente!!



Oswaldo Juliano Sandi

domingo, 25 de janeiro de 2015

CONTRA A CORRENTE


26 de janeiro de 2015, sinto minha lágrima escorrer entre um soluço e outro e repousar tranquila no travesseiro. Silêncio em toda a casa. A geladeira faz aquele zunido costumeiro e o computador ainda está ligado... Acabamos de nos despedir... Não foi nada como o esperado, não foi nada poético ou como num filme... Foi do mesmo jeito que começou, foi virtual e sem sentido.
"Não espero mais nada, saio disso arrasado" — lembro quando disse isso, meu coração ardia de tristeza, porque quando a gente abre os braços, expõe o coração e é aí que mora o perigo.
Saio disso arrasado, porque foi tudo exatamente como eu temia. Depois de um belo sonho, é como se eu acordasse aos prantos, saltando na cama, no meio de algo que virou um pesadelo. E acordar agora nem é tão bom assim...
Grito pras paredes que poderia dar certo, que eu faria dar certo, que a distância não existe, como não existiu há muito tempo, quando conheci o que era a verdadeira felicidade... Mas não adianta que eu faça qualquer coisa, não adianta eu gritar, implorar, não adianta mais nada... porque o mundo não é mais o mesmo, a inocência já foi embora há muito tempo e, pior, faltam algumas horas e você estará tão distante fisicamente como seu coração já estava.
Infelizmente, esse é um livro que já estava escrito. Num jogo de imagens, tudo já estava escolhido e decretado em sua mente. Não há conto de fadas, não há desejo que possa ser realizado. Existe apenas a realidade e sua teimosia em levar adiante o que é pra ser como planejado...
De tudo que ficou, cá estou, indo contra a corrente mais uma vez, tentando botar a perder todo o planejamento do destino.
De tudo que ficou, eu fiquei sozinho mais uma vez, tentando entender qual erro cometi pra que tudo fosse tão rapidamente perdido...
De tudo que ficou, cá estou, deitado de olhos abertos e sem enxergar nada, porque esse rio que eu tento nadar contra agora tem uma forte corrente de lágrimas...

"De tudo que ficou, guardo um retrato teu e a saudade mais bonita..."




Oswaldo Juliano Sandi

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

INFELICIDADE

Infelicidade é a partida e a distância. 
Infelicidade é a passagem de ida.
Infelicidade é a caixa de antidepressivos guardada no armário.
Infelicidade é o álcool no sangue pra esquecer...
Infelicidade é o calor pra quem gosta do frio.
Infelicidade é correr com o carro desejando que tudo acabe.
Infelicidade é essa palavra pulsante nos altos e baixos da vida.
Infelicidade é o status online na rede social, no aplicativo, no chat... e a ausência física.
Infelicidade é ansiedade. Infelicidade é a sensação de burrice que a gente sente quando é iludido... ou melhor, quando se deixa iludir, quando se finge de ingênuo, quando exercita ser sonso na vida e de repente sente a queda.
Infelicidade é tudo isso e é o que estou sentindo agora. Um misto de raiva e cegueira que apaga até a luz mais forte...
Infelicidade é o amargo na boca e a dor no peito.
Infelicidade é quando você quer se sentir único, mas o mais perto disso que consegue é ter que ficar competindo com milhares de rostos bonitos, corpos monumentais e fotos impecáveis.
É isso que sinto quando estou digitando e ouvindo uma música bem alto, pra não ouvir mais nada, nem meus pensamentos.
Infelicidade é essa raiva toda e não há explicação pra quem quer que seja explicado. Há só isso e essa minha insanidade, porque estou desesperado e não quero perder aquilo que já está perdido, seja pela distância, seja pelo instinto e pelo vício da natureza humana...



Oswaldo Juliano Sandi

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

POLARIZADOS

Não pode haver tanta precariedade num mundo assim. É sinal da amargura de quem o fez se eu tenho que contar com o mínimo de alegria os minutos do agora, esperando pela tristeza do depois. 
Cada dia que passa te vejo mais perto do sol e eu da lua, porque é no seu 'boa noite' que meus devaneios começam de verdade. Passo os dias tentando agradar e expor meus melhores cenários, mas a realidade é que não importa, vai sempre haver um crepúsculo pra separar a gente...
Você me diz que tem medo, imagine o medo de quem fica, imagine o medo daqueles que já praticamente encerraram a sua jornada, imagine a dor de olhar na cara do amor e sussurrar: "você tem tanta juventude pela frente". É um sorriso amargo e um coração dilacerado. É uma dor constante quando os trilhos são diferentes e você pode oferecer bem pouco aos olhos do outro...
Quem me dera repousar contigo no alto da nossa montanha... quem me dera que tudo fosse tão simples quanto a coincidência de nossas respostas... vem! Vamos voltar para aquele momento, apagar os faróis, acender as estrelas e ficar no mínimo uns dez anos no meu mundo! Vem! Vamos comigo destruir diários e decidir que ninguém vai optar por casar ou ter filho, viajar ou ter casa, morar aqui ou ali, até que tudo isso aconteça enquanto nossas vidas corram juntas... vem, sussurra no meu ouvido que meu espírito não está assim tão velho quanto sinto agora nesse momento... sussurra pra mim que a sua juventude não traz consigo um sentimento inconsequente de que eu tanto tenho medo... sussurra... sussurra apenas que você pelo menos desconfia de que esse é o momento e a hora certa pra gente pisar o mesmo chão e planejar o mapa de todo um continente. Mas não, jamais grite pra mim de tão longe que você está com medo, porque eu estou aqui com esse olhar vazio de quem está segurando o enjoo que esse mesmo medo que você sente traz e emudece a minha garganta...




Quando Você Voltar
Legião Urbana


Vai, se você precisa ir
Não quero mais brigar esta noite
Nossas acusações infantis
E palavras mordazes que machucam tanto
Não vão levar a nada, como sempre
Vai, clareia um pouco a cabeça
Já que você não quer conversar.
Já brigamos tanto
Mas não vale a pena
Vou ficar aqui, com um bom livro ou com a TV
Sei que existe alguma coisa incomodando você
Meu amor, cuidado na estrada
E quando você voltar
Tranque o portão
Feche as janelas
Apague a luz
e saiba que te amo...


Oswaldo Juliano Sandi

domingo, 11 de janeiro de 2015

ENCOMENDA

Até parece que a gente mudou tanto assim... mas não mudou... No fundo, no fundo, continuamos os mesmos garotinhos ingênuos e cheios de fé. Bem, pelo menos é desta forma que eu continuo vendo. A gente se encontra, a gente lança os dados, a gente confia na sorte, pra esquecer que no fim não há sorte, há motivos... Tenho apostado bastante nessa sorte ultimamente. Essa sorte de conhecer alguém e esperar pelo melhor e, bem, vieram muitas pessoas legais em contextos complicadíssimos e outras nem tão legais. Será que a gente uma hora vai ter que 'dar um desconto' pra determinados contextos pra não terminar sozinho? Isso eu ainda não sei, mas continuo tentando...
Foi bem assim: um papinho rápido que eu julguei bastante frio, monossilábico e sem futuro, mas aconteceu. Bolei um plano pra ter liberdade e saí. Quando topamos em frente à lagoa, fiquei entorpecido pelo seu hálito... e pela sua pessoa extravagante de simplicidade.
Tudo bem, é uma história longa, ou melhor, são várias histórias longas intercaladas e muito suor... Transpiração pra conversar e pra relembrar, pra viver o que foi vivido e pra sair do sofrimento sentido. Mas passou. Agora estamos apenas contando o que houve nas nossas vidas e passando um pouco de calor. E que vidas movimentadas! Quando eu era pequeno eu nunca ia contar sequer uma dessas histórias confusas que contamos entre uma cerveja e outra. Quando o lugar fechou, as histórias acabaram. Foi só aquela sensação: 'e agora?' Não sei bem lidar com situações assim e foi preciso pesquisar. No fundo, no fundo, eu também sabia desde o começo que você preferia a montanha.
Bem, subimos nossa montanha um pouquinho embriagados — eu estava tentando disfarçar, porque sou fraco pra bebida — e foi aí que tudo aconteceu muito rápido, num flash meio doido que só acontece num acidente de trânsito e aí fiquei me perguntando quando aconteceu esse momento em que me esbarrei com o acaso e ele derrubou essa encomenda. Uma encomenda muito bonitinha, por sinal, toda arrumadinha e cheia de umas manias que dão vontade morder... É claro que fica aquela sensação de estar pegando algo que não é seu, mas é normal, é o acaso pedindo devolução logo no dia seguinte, num revés da lei da compensação...
No fim de tudo isso, lá estava eu, cabeça pendida pra trás, relembrando que de noite dá pra ver algumas nuvens. Mas as estrelas brilham bastante também. E foi olhando as estrelas, conhecendo seu rosto com as mãos, que eu me perguntei de novo, como sempre faço quando sinto vontade dar um pause na vida: "e aí, sorte, estamos aí, ok?"
Não dá pra definir o que virá, se vão inventar um outro aplicativo que vai lhe entregar a combinação perfeita, só sei que sou capaz de supor que dá pra viver bastante coisa boa com uma pessoa com a qual o acaso nos presenteia. É claro que existe aquele medo constante de tudo desabar como qualquer coisa vem desabando, e desanima só de pensar que vão desabar quantos edifícios forem necessários até que aconteça uma estrutura de verdade que mantenha tudo de pé como a gente sonha...

Alea jacta est...



Oswaldo Juliano Sandi