sábado, 29 de setembro de 2018

BOA VIAGEM

Revenant - Odin Sphere

      Em um desses jogos, que me distraem um pouco a cabeça, existem fantasmas que foram condenados pela rainha Odette a vagar pela eternidade no mundo dos mortos carregando um candelabro e levando alguma luz para toda aquela escuridão. Esqueletos arcados pelo peso das velas, esses seres cumprem sua missão, com o olhar literalmente vazio em suas caveiras.
      Entre os meus devaneios queria descobrir quem é essa rainha ou deusa da vida real, que faz uma mágica e, num piscar de olhos, me vejo envolto nesse encantamento eficaz que é gostar de alguém e apaixonar-me.
      Amar dói. Já ouvi dizer inúmeras vezes e das mais diversas formas: nos filmes, nas músicas, nas histórias desiludidas que existem aos montes por aí. Mas meu problema começa bem antes, quando descubro esse mundo novo que é estar cara a cara com o outro, imagem espelhada de mim, cheia de suas mazelas e outros encantamentos.
      Como uma mágica ou, melhor dizendo, como uma maldição, logo que a porta se fecha atrás de você, me sinto em queda livre, torcendo para que a semana voe e para que mais um dia livre te traga de volta até mim. Insegurança, dependência, exagero, ansiedade, biomedicina... Não sei, já me falaram muitas coisas a respeito de como me sinto e, na real, cansei de buscar qualquer explicação plausível a essa dor intensa que a tua ausência me causa.

*****

      Na hora de ir embora as luzes estavam todas acesas. Ambos carregaram as malas até o carro e ajeitaram toda a bagagem, iluminados pelo olhar do cachorrinho já sentado no banco da frente, pronto para voltar pra casa. Não houve beijo de despedida. O carro partiu, virou a esquina e retornou para pegar a avenida principal. Aquele que ficou trancou logo o portão, subiu rápido as escadas, fechou a porta e foi apoiar-se atento na janela que dava para a avenida. O carro passou no mesmo instante. O som dos pneus nos paralelepípedos e as luzes do carro diminuíram conforme a noite foi engolindo aquela imagem. "Boa viagem", ele pensou, com o olhar vazio no horizonte. "Mas que bobagem, o trajeto é curto, são poucos minutos de distância", era seu lado pragmático lutando mais uma vez. No seu íntimo, ou no seu coração — porque é um pensamento irracional — ouviu a voz altercada novamente: "Boa viagem."
      Depois da partida, fechou as cortinas, correu toda a casa apagando as luzes e fechando as portas. No escuro da noite, em seu 'mundo dos mortos' particular e cheio de fantasmas, pegou com cuidado o candelabro e saiu a vagar nas sendas de sua mente, missionando sua paixão, que era a luz que acendia as velas que carregava cegamente.




Oswaldo Juliano Sandi

Nenhum comentário: