segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O CORAÇÃO E O CANTO DOS PÁSSAROS

“A estação mais quente está chegando”, tenho pensado nesses dias. A estação quente e minha casa abafada, as noites difíceis de dormir, as janelas sempre abertas e os insetos incomodando minha pele acordada. Sim, a estação mais quente aqui é a menos desejada.
Moro sozinho. Coração muitas vezes solitário e adoentado, mas persisto. Não ligo pra isso na maior parte do tempo – vez ou outra um fantasma pode ser um amigo. Cumpro com minhas atividades profissionais, estendo minhas noites de sono, porque existe sempre algum conforto em não sonhar acordado. Pagador de contas que sou, faço disso um jogo até que chegue ao xeque-mate.
E tem as relações. Algumas vezes calorosas, outras nem tanto. Aquelas que tocam o coração e aquelas que tocam apenas a pele. O problema dos relacionamentos é uma diabetes emocional crônica: é como o doente que sabe quanto é doce aquele quitute, mas muitas vezes tem que negar, porque lhe faz mal. Alguns doces têm me encantado. Dentre eles poucos têm feito o bem que deveriam e tem outros que chegam a intoxicar meu coração...
Saio pra rua no final da tarde, quando o expediente de quase todo mundo termina e o meu chega à metade. Saio pra rua para pagar as contas e cumprir obrigações. Saio pra rua... por obrigação muitas vezes... Caminho entre as pessoas de cabeça erguida, pois sei quem sou, mas meus olhos estão cegos, pois não quero encarar ninguém e ter o esforço de me explicar ou de falar coisas do meu cotidiano dolorido.
Saio pra rua e dou de cara contigo. Um olhar desconfiado, de quem não sabe nada da vida, como um cão que não sabe se late ou se morde. Pode ficar tranquilo, que eu não vou chegar mais perto. Vou apenas cruzar rapidamente o espaço que você usa pra se socializar. Enquanto passo, pode ficar ladrando por um segundo, mas eu vou sair do seu espaço tão rápido quanto meu coração começa a bater acelerado; vou fugir como o jorro de adrenalina que cai na minha rede sanguínea nesse exato momento em que digo “tudo bem?” querendo parar e ficar pra saber se está mesmo tudo bem, ou se você correria um mínimo risco de não estar bem sem mim. Mas eu sei a resposta e passo. Saio correndo do seu olhar de animalzinho problemático que toda pessoa mal resolvida tem e dá vontade de pegar pra cuidar – assumir o risco de aguentar os dolorosos dentes do orgulho e da teimosia que eu também já usei para machucar o outro. Passo por você como o espectro que sou pra qualquer outra pessoa...
De volta pra casa, você permanece no mesmo lugar, com seu círculo duvidoso de amizades que, fatidicamente, vai te trazer ao mesmo lugar definido, cravado no chão e resolvido, em que estou. A diferença? É que há duas distâncias infinitas entre estes dois mundos, cada uma com seu nome, e se chamam Tempo e Maturidade. A diferença cruel é que caberá a mim tomar a decisão de atravessar a rua e esconder meus olhos marejados entre as árvores insensíveis da praça, ouvindo o som ensurdecedor dos pássaros que cantam felizes ao final da tarde...




Oswaldo Juliano Sandi

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