Depois que você foi embora e quebrou o acordo que você mesmo inventou, passei alguns dias sem olhar de verdade pra dentro da geladeira. Logo naquela semana eu descongelei tudo e tirei o excesso de água, mas foi só.
Deixei tudo lá dentro do mesmo jeito, as coisas que você comprou começaram a estragar lentamente. Teus ingredientes mágicos que já não me servem de nada agora estão por um fio: entre o lixo e o desperdício, conforme você fez com a gente. Só que a gente já tinha acabado faz tempo — isso foi o que você disse sem nenhum sabor agradável.
Eu poderia muito bem acordar no meio de um pesadelo durante a madrugada e assaltar essa geladeira cheia de sobras. Eu poderia perder a memória e voltar ali com toda a fome que minha alma sente agora e morrer envenenado pelas coisas que eu deixei escondidas até ter essa força que tive hoje.
Hoje sim, depois de duas semanas, eu consegui avaliar o estrago. Olhar todos os ingredientes deteriorados ali dentro, tirar um por um, olhar pra eles à luz mais clara, sentir seu cheiro — sentir o cheiro daqueles seus malditos temperos na medida certa. Minha vontade era esquecer tudo que foi bom, porque eu não aprendi nada com essa história. Só fiquei pior. Me tornei uma pessoa pior e sem qualquer indício de fé nessas coisas que a gente debateu tanto...
Minha vontade — de verdade — era jogar tudo fora. Chamar um caminhão de lixo e mandar levar qualquer vestígio que você tenha chegado a tocar nessa casa. Talvez demolir tudo. Demolir a energia que ainda vaga em alguns cantos e eu ainda estou tentando apagar. Destruir cada quadro que antes tinha mil cores e agora é só uma lembrança em preto e branco, lembrança falsa e desgastada pelas palavras que vieram depois.
Com as coisas é tudo muito simples. Você tira todo o lixo pra fora e levam pra apodrecer num lugar distante.
Queria mesmo era isso... Tirar pra fora tudo que ainda tem dentro de mim e mandar embora junto com o lixo amanhã de manhã. Quem sabe assim, outras coisas ocupariam este espaço...
Oswaldo Juliano Sandi
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